Dedicado aos bravos mineiros que exploraram as minas de ardósia.
A manhã amanhava-se pelos sopros leves da história enquanto nos caminhava por vielas e calçadas de Campo até ao Museu da Lousa de Valongo. Um recanto onde o tempo teima-se permanecer suspenso entre as pedras, memórias e gestos antigos. Três casas, moldadas pelo rigor e a arte dos que conhecem bem a lousa, acolheram-nos como quem recebe acostumados visitantes. A primeira, íntima e quieta nos silêncios abriu-se, qual relicário da vida mineira. Cozinha modesta, quarto esguio, oficina onde, sob o espectro da luz mansa do serão, mãos femininas e infantis moldavam penas de ardósia - pequenos fragmentos de sustento, quase invisíveis na grandeza da história, mas profundamente gravados no quotidiana da sobrevivência. As remanescentes salas, verdadeiras guardiãs de um património industrial esquecediço por muitos, revelaram-se como sussurros vociferados pelo subsolo. Máquinas de corte e polimento, blocos brutos e delicadas lousas escolares narravam o percurso da pedra, desde o silêncio da montanha até ao alvoroço de vozes infantis que ocupavam outrora salas de aulas. Pelo tatear, as nossas mãos percorreram as superfícies frias e polidas da ardósia na tentativa de decifrarem as histórias contidas nas suas camadas. E, foi na mais recente proposta do museu que a visita auferiu um brilho inesperado. Do silêncio granulado das rochas emergiu o quartzo, um mineral cintilante que se aloja nas entranhas da lousa, discreto, mas revelador. Diante dos nossos olhos um quadro pintado com pigmentos extraídos dessa mesma pedra desafiava a ideia de que a arte floreja somente da cor. Ali, ela nascia da terra. Uma obra que parecia encerrar em seu âmago o tempo geológico da montanha. A emoção apurou-se ainda mais quando fomos convidados a observar e tocar num fóssil incrustado na rocha, vestígio de um antigo ser vivo que, em tempos remotos, percorreu a profundeza de um mar naufragado. Foi um momento qual ritual, entre o maravilhamento e a ciência, em que a grandeza do passado se mostrou sob a nossa singela palma da mão. A visita, imersa em escuta, contemplação e descoberta, revelou o museu como um espaço em constante conversa com o passado e o presente. Um lugar que não se limita a expor, ele propõe, provoca e acolhe. Um espaço onde o gesto de escrever com giz numa ardósia se torna ponte entre séculos, onde até uma pedra contém histórias que nos ultrapassam. O saltitar de emoções, o barulhar de risos tomaram conta do sobrante período, reunindo-nos em prometimentos de companheirismo absoluto e gratuita entrega à diversão.
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