Um livro se abre. Uma história nos transporta.
Matizar uma experiência, outrora
desfrutada por alguns Mágicos, sob a pena de uma plenitude prazerosa, onde o
espanto não fala ou se bole. Embrenhados num nundo desconhecido, em instantes
pormenorizadamente declamados por vozes e silêncios sobre pessoas com nome, mas
onde os seus rostos apenas figuram entre retratos que ali ou acolá se
acomodavam estáticos. Pregados a uma parede. Finados. Falavam de seus viveres
felizes e das angústias sentidas. Da edificação arquitetada pela mão firme, que
fizera o lápis mover-se pelo traço prodigioso e o rigor soberano de seu autor.
Falamos da Quinta de Santiago. Foi tempo de sermos os privilegiados nesta
visita. A nossa boca pasmada teve um contacto real com toda a história deste
lugar e suas gentes pela dramatização de um funcionário leal à família Santiago
de Carvalho e Sousa, de seu nome Gervásio. Digno funcionário das cavalariças.
Este sempre manteve um contacto próximo dos seus arrais. A Quinta de Santiago, é
um edifício erigido no final do século XIX, e projetado pelo arquiteto italiano
Nicolau Bigaglia. Uma relíquia histórica e cultural. Esta residência senhorial
não só encapsula a elegância do passado, como também é uma guardiã de histórias
de amor e perda. João Santiago, seu fundador, descendia da fidalguia. Uma
classe com raízes muito conservadoras nesta época. Contrariou as convenções
porque se regia enamorando-se por uma burguesa de seu nome Maria Carolina. O
inebriamento do seu coração por esta mulher levou-o a enfrentar a resistência
voraz de seu pai. Este recusou o pedido de aliança matrimonial devido às
diferenças sociais e de idade entre ambos. A audácia do seu amor velou para que
ficassem juntos. João e Carolina casam-se em segredo e vão morar para o Paço de
S. Cipriano, em Guimarães, tornando-o sua residência permanente. A distância
entre as cidades de Guimarães e Porto levou Carolina a pedir a João que
construísse uma casa entre as urbes, dando origem à magnânima Quinta de
Santiago. Ao transpormos os portões desta linda propriedade somos de imediato transportados
para o interior de um conto deslumbrativo. A visita guiada revelou os detalhes
arquitetónicos da casa, onde a sua presença se faz sentir até no mais singelo
recanto. Singularmente a casa está ornada com vários “S´s” escondidos nas
paredes, portas e até na lareira, revelando homenagem silenciosa à família
Santiago. Cada sala é um relicário riquíssimo de obras de arte e mobiliário da
época, narrando histórias de tempos idos. Aqui o nosso guia partilhou a triste
história do filho do casal, Dinis, que falecera jovem. Este acontecimento
trágico outorgava e acrescentava a todo aquele espaço uma dimensão íntima e
melancólica. A complexidade e fragilidade da vida foi sentida por todos. Um
frio vazio nos ossos que se agarram à matéria dos nossos corpos
cristalizou-nos. Aqui vivemos uma imersão na arte, na história e na beleza da
criação humana. A valorização do passado, a compreensão da dor sentida no
momento da perda e a celebração da alegria artística, foram elementos
contemplativos e de reflexão a par da harmonia sentida pelo verde dos jardins e
das cores que o tingiam. Regressamos trazendo na algibeira a história de João
Santiago e Maria Carolina, a trágica perda de Dinis, a magnificência da arquitetura
de Bigaglia. Iremos retirar da algibeira estas memórias quando a saudade assim
o desejar.
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