A memória caminha de mãos dadas com a infância.
A
manhã despertara sob o desígnio de um deslumbrativo Sol raiando sobre os
telhados seculares e, acomodados por entre as mui belas e galanteadoras ruas da
cidade do Porto. Um murmúrio de pequenos passos e rires alegres lançavam ressoares
sobre as pedras vivas que lajeiam os seus arruamentos. O Museu da Misericórdia,
conhecido guardião de memórias entranhadas em suas paredes e colunatas, abriu
portas aos visitantes com o objetivo de proporcionar uma experiência
educacional única, focada na história e na arte. Com a realização de um peddy
paper, imergiram numa experiência irrepetível, numa travessia mágica entre os alicerces
da história e as sementes do futuro. Tendo como desafio a recolha de fragmentos
de imagens de pinturas majestosamente expostas, pedaços de beleza espalhados, relíquias
encantadas. Como se cada pedaço fosse um
murmúrio de cor arrancado do tempo. Procuravam as partes de um todo invisível,
reunindo-as com o zelo de restauradores de sonhos. Cada fragmento achado era
como uma peça de um puzzle ancestral, um eco visual que necessitava de ser
reconstituído, não meramente por um olhar atento, mas com a alma de um coração
disponível. E, assim, entre gargalhares e corridas contidas, compunha-se a
imagem maior, um quadro não somente físico, mas simbólico: a união dos olhares,
o esforço partilhado, a arte como bússola da aventura. Nos corredores, o
silêncio habitual cedeu lugar à sinfonia dos risos infantis, como se os antigos
quadros respirassem aliviados por voltarem a ser vistos por visitadores,
contemplados por uma lhaneza pura, de quem ainda acredita que as histórias se
escondem em cada penumbra. A sacralidade do lugar, tantas vezes austera,
tornou-se colo, um abraço invisível que acolhia o fervilhar da imaginação.
Guiados por educadores, os petizes aventureiros cruzaram salas, selvas
encantadas para seu úbere entusiasmo, decifrando pergaminhos e perseguindo
símbolos. O entrelaçar do saber através do brincar entre retábulos dourados e vestes
cerimoniais foi o magnificente tributo. Depois da despedida o passo progrediu. E,
assim, o museu, esse adamastor de histórias, adormeceu de novo pelo cair da
tarde, com um ténue sorrir nas suas molduras. Os pequenos palmilhares, habituados
a trilhos de descoberta, rumaram em direção à imponente Igreja do Clérigos,
cujos sinos em clamor bravavam de suas gargantas bronzeadas mesuras à sua
chegada. A torre erguia-se como sentinela do tempo e, eles de olhos erguidos
procuravam acalentar em seus corações a voz daquelas destemidas pedras no descrever
de histórias silenciadas. No entretanto, o caminho até lá, foi ele próprio um
espetáculo imprevisto como se a cidade, cúmplice da alegria dos viçosos viajantes,
decidisse oferecer-lhes surpresas entre o calcorrear dos seus paralelepípedos. Um
mágico, vestido de mistério e gestos silenciosos transformava lenços e plantas
em sorrisos. Mais adiante, um músico, alquimista de sons, extraía melodias do instrumento
que envergava. Entre truques de magia e a harmoniosas cantorias, o Porto mostrava-se
palco de encantamento e os Mágicos plateia e protagonistas de uma peça que se escrevia
pela majestade de seus corações. No entanto, a aventura não se restou por ali. Quando
o do ponteiro do tempo passou o zénite do dia, os passos encaminharam-se para
um novo cenário, a verdejante Quinta do Covelo. Ali, e sob a bênção das árvores
envelhecidas e do céu aberto, iniciou-se uma nova odisseia. Uma caça ao tesouro
onde o verdadeiro ouro estava nas palavras. As pistas, cuidadosamente escondidas
entre os recantos da natureza, estavam disfarçadas de provérbios incompletos,
fragmentos de sabedoria popular que teriam de completar com intuição e partilha.
Era uma busca não só por respostas, mas por sentidos lógicos. “Mais vale tarde
do que…”, e os olhos brilhavam, as mãos erguiam-se no ar, até que um alguém,
entre gargalhadas, completava: “…nunca”. Cada provérbio resolvido era como uma
vela acesa no caminho da tradição, um elo entre o saber dos antepassados e a
frescura da infância, ou seja, o jogo tornava-se ponte entre o tempo oral dos
avôs e o presente. No final, não houvera medalhas ou troféus, apenas olhares
cintilantes e corações preenchidos. Em suas mentes ávidas de saber levaram
memórias e momentos de mãos dadas com a cultura. A melhor forma de crescer é
nunca deixar de procurar.
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